quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

50 tons: a indecência é fechar os olhos para o abuso



Que me perdoem os hipócritas, mas o filme 50 tons de cinza é muito mais que sexo. O filme, por ele mesmo é ótimo, a trama interessante, mas 50 tons é um tapa na cara da sociedade que prefere dizer que o filme é uma indecência diante de fatos muito mais profundos e muito mais reais na vida do ser humano, as consequências do abuso, sejam eles físicos, emocionais, sexuais.

 Anastasia Steels não é uma ingênua, ela é apenas uma moça virgem que se apaixona perdidamente por um homem. Mas daí eu pergunto: Qual é o passado da Ana?  Como ela mesma diz: minha mãe está no quarto marido... Não sejamos tão superficiais assim. No íntimo ela sabia que ele tinha problemas, e muito sérios. Ela é tão desajustada quanto ele. É a famosa comunicação “não falada” que acontece entre as pessoas quando se conhecem. Os espirais de comunicação dela se cruzaram com os de Gray e no momento seguinte os dois se identificaram.

Ela não foi abusada sexualmente, mas foi negligenciada, passou a vida inteira procurando atenções. O pai morreu, o padrasto criou, a mãe foi embora com outro e agora vive com outro. Ela buscava alguém que a cuidasse. Ela queria ser o centro das atenções. Ele foi abusado fisicamente e emocionalmente quando criança. A mãe, uma drogada, não lhe dava atenção. O padrasto, um traste que o queimou; o humilhou; que matou a mãe na sua frente. Foram horas até que a polícia os encontrasse. Cresceu com a necessidade de controle daquilo que ele nunca conseguiu dominar, sua vida. Todo o relacionamento é uma via de mão dupla, mas este é assunto para outro artigo.

Você sabe quantas crianças são abusadas diariamente neste país? Sabe onde e por quem elas são abusadas? Há 10 anos o Ministério da Saúde revelou que aproximadamente 200 mil crianças e adolescentes declararam ter sofrido agressão física e destes, 80% foram cometidos por pessoas da família ou próximas a elas. Em 2006, somente em Curitiba, 3390 crianças foram vítimas da violência doméstica. Mais de nove agressões por dia! A negligência vem em primeiro. Depois seguem as agressões física, sexual, psicológica e por fim, o abandono. Se os números só crescem... quantas crianças e adolescentes passam por isso hoje em dia?

E você aí dizendo que o filme é uma pornografia sem fim ou que Cristian Gray não é um homem a ser esperado pelas mulheres. Pare com isso. Sejamos mais decentes. Todo mundo sabe que sexo é sexo e que o mocinho só vai fazer parte do sonho erótico das mulheres até que outro galan mais sarado apareça na telinha. Gray não é o meu sonho de consumo, apesar de gostar de homens com cabelo bem cortado, uma camisa bem passada, uma gravata alinhada. Gosto mesmo do engomado. Mas ainda assim, prefiro o de carne e osso, e estável emocionalmente.

Saí do cinema com o estômago revirado. Senti a dor da Ana. Vi o horror e pavor nos olhos de Gray. Na história, ele é curado pelo amor dela (Isso não está no filme). E daí eu pergunto novamente: quantas das nossas crianças não estão desta mesma maneira, passando por agressões sem que as pessoas ao redor entendam seus silenciosos pedidos de socorro?

Pelo amor de Deus. A violência acontece em casa: pelo pai, tio, padrasto, vizinho, pai do amigo. Pela mãe, pela avó, pela tia, pela irmã.  A violência está nas igrejas. SIM, NAS IGREJAS: são padres, pastores, gurus, discipuladores, conselheiros, amigos. A violência está nas escolas: professores, diretores, orientadores .... e etc.

Até quando vamos fechar os olhos para o que acontece debaixo do nosso nariz? Volto a dizer, é muito fácil falar que o filme é indecente, quando de fato o que ficou claro foi a consequência do desajuste na vida de alguém.

As Redes de Proteção estão em todas as cidades, mas a comunidade faz vista grossa. As igrejas não tratam do tema abertamente, as escolas só dizem que as crianças precisam denunciar, mas não dão condições reais para que as denúncias ocorram. É mais fácil condenar o “comportamento libidinoso” da criança e do adolescente ao invés de saber de fato o porquê dela agir desta maneira.

Precisamos falar mais, criar espaços para o debate sadio. Precisamos tirar nossas máscaras. Precisamos olhar para o mundo como ele é, pois somente assim pessoas poderão ser resgatadas, tratadas, curadas.

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